24/07/2009

As três mosqueteiras

As crianças sempre presentes no meu trabalho - o que eu adoro - porque são autênticas, divertidas, mais do que inteligentes e principalmente pois noto uma grande carência de atenção por parte delas.

No começo do mês fui numa área do bairro onde eu atuo, que ninguém sabe nada, ninguém viu ninguém e ninguém se conhece. Lei do Silêncio. Era um caso complicado, onde a juíza havia pedido urgência no cumprimento daquele mandado.

É um bairro que, se chega alguém diferente, que não é morador (porque todos se conhecem!), todos desconfiam, inclusive as crianças.

Cheguei na residência e de dentro do carro, chamei um menino que veio em direção à porta do carro. Eu abaixei o vidro da janela doi carro e perguntei:

- "Ei moço! Conhece o Rodrigo?

Ele, todo desconfiado foi chegando perto do carro, fez uma "análise visual" do que tinha dentro e percebi que ele fixou os olhos numas balas que eu tinha no suporte ao lado do câmbio. Aliás, as balas também são excelentes ferramentas para conseguir informações das crianças...

Quando ele percebeu que eu tinha notado os olhares dele nas balas, mais do que rapidamente me disse:

- "Eu te falo se conheço o Rodrigo se me der uma bala". (garoto esperto!).

E eu, sem hesitar, disse:

- "Não, vamos fazer assim: se você o chamar, te dou TODAS as balas".

Saiu aos gritos em direção à casa: "PAIEEEEEEEEEÊ, TEM UM MOÇO AQUI QUERENDO FALAR CONTIGO!"

Ganhou todas!


A última foi no bairro Ponte de Imaruim (é divisa com São José). Neste bairro possui duas grandes avenidas principais e uma delas possui várias servidões que começam na avenida principal e finalizam na praia, imprópria para banho.

Coincidentemente fui na "Servidão das Crianças", realmente é este o nome e inclusive consta no mapa da cidade. O porquê do nome: havia uma mulher que tinha uma casa grande que ficava com as crianças que não iam para a escola, enquanto os pais saíam para pescar. Pelo menos foi o que disse uma senhora na primeira vez que fui lá, dizendo que foi uma das primeiras moradoras do local.

Pois bem, fui numa tarde de sol, muito calor. O problema é que na servidão tem várias ramificações e assim por diante, se formando um verdadeiro labirinto. E o pior: a numeração das casas é mais do que aleatória e colocam o número que acham mais conveniente. Por exemplo, a casa de número 33 é de uma senhora religiosa que colocou por conta própria o número da casa por conta da idade de Cristo. Muito bem.

Era um mandado com três pessoas na mesma servidão, com números de residências diferentes. Na servidão principal obviamente não encontrei nenhuma das três casas pelos números, mas encontrei três meninas brincando de amarelinha (uma brincadeira saudável que hoje em dia não se vê mais).

Chegar sorrindo e brincando com as crianças, muitas vezes, parece que as crianças ganham um presente, face a carência que possuem, somente no brilho de olhar de cada uma.

Perguntei se elas poderiam me ajudar para encontrar algumas pessoas e me encheram de perguntas: como era meu nome, onde eu morava, sobre o que eu fazia. Acharam legal o trabalho porque "podia ficar passeando".

Todas com nove anos de idade, se apresentaram, uma por vez:

- "Eu sou a Nicole. Tenho nove anos e moro naquela casa feinha ali, mas é 'bem boa' por dentro - apontando para uma casa de madeira manchada pela umidade - morri de pena.

- "Eu sou a Amanda e já estou na segunda série e moro com minha avó.

- "Eu sou a Jussara e também tenho nove anos, mas é Jussara com dois "s", porque uma vez, minha mãe me levou no SUS e a moça lá colocou com "ç" e eu não gosto daquela cobrinha debaixo do c" - bem esperta esta!

Bom, isso que eu nem tinha perguntando o nome. Apresentaram-se por conta própria. Se fosse assim, teriam me contado toda a infância de cada uma. Isso é mais uma prova da carência de atenção que as crianças dos bairros mais carentes possuem e isso me chama muito a atenção.

Seguimos então pelo "labirinto", as três correndo na frente e eu atrás, uma indicando ali, outra indicando aqui até que depois de quase quarenta minutos, conseguimos achar as três pessoas que eu precisava intimar.

Na volta até o carro, fomos conversando e a Nicole me disse: "Moço, sempre que quiser vir aqui, vem de tarde, porque de manhã a gente tem aula. E já anota nosso nome e onde a gente mora pra chamar quando precisar de ajuda, porque a gente conhece todo mundo."

Eu achei muito legal (as balas do carro me salvaram)

E disse para elas: "Então fechado! Sempre que eu quiser ajuda por aqui, vou chamar as Meninas Super Poderosas!

- E a Amanda disse:

Não, não... Meninas Super Poderosas é coisa de criança, preferimos "As três mosqueteiras"!

Imagina minha cara, achando que estava arrasando em compará-las com as Meninas Super Poderosas.

E voltaram as três de mãos dadas, saltitantes, com a sensação de dever cumprido.

6 comentários:

  1. Esta foi a melhor! Você deve ser um anjo na vida da criançada que você encontra no seu cotidiano. Beijinhos!!!

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  2. Imagino que calmas as crianças!!!!
    Heheheheh
    Bjão!
    Manu.

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  3. Ah!!! Quanto a das balas compra aqui no "Barbicha" (com x ou ch?)

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  4. Ehehehe, só você mesmo né marquitu!!! Beijo Su!

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  5. Bruna do Couto Maiasexta-feira, 24 julho, 2009

    A primeira história foi muito boa...
    paieee, tem um moço querendo falar contigooo!
    ahuahuaahauahuaahua...

    A segunda também foi muito boa...
    Como crianças nessa idade e nessa situação já são maduras, né?

    Beijoos,
    Bruna Maia

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  6. Tem gente que não gosta do pai nessa história, hehehe ou ainda, a bala vale mais que ele!

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