22/12/2009

Meu presente de Natal

Estes dois dias foram bem marcantes, apesar de ter iniciado o recesso do Judiciário, voltando somente em 07/01/2010.

Na noite de domingo passado, compareci na novena do grupo bíblico do bairro Coqueiros na casa dos meus tios e lá, conversando sobre o tema solidariedade, felizmente, este blog foi um dos assuntos comentados na reunião. Com isso, os participantes se organizaram e forneceram seis cestas básicas, 50 quilos de arroz (em pacotes de cinco quilos) e utensílios domésticos para que eu pudesse levar na comunidade carente de Frei Damião.

Entrei por uma das ruas principais (são três), chamada Rua das Palmeiras, onde é - obviamente - estrada de chão, com muitos buracos e moradias em condições precárias. É menos pior do que a Rua da Vala porque, por enquanto, não possui esgoto à céu aberto.

Parei na frente de um terreno onde possui seis barracos, um ao lado do outro, sem qualquer infra-estrutura necessária de sobrevivência. Muito lixo de todo tipo e tamanho e crianças pelos arredores. Parei o carro e perguntei para uma senhora:

- "Quantas pessoas moram aqui?"
- "Dezessete, disse ela. Meus irmãos e irmãs, minha mãe e meus filhos e sobrinhos. Somos em dezessete".

Percebendo que ela me respondeu num tom de curiosidade do porquê de eu perguntar quantas pessoas moram ali, prontamente eu disse:

- "É que eu tenho algumas cestas básicas e gostaria de entregar algumas para quem realmente precise, pois tenho medo que algumas pessoas possam jogar fora ou trocar por droga ou bebida".

- "Não, meu filho... eu não vou jogar fora. Ainda mais eu, que não tenho o que dar de comer para os meus filhos há dois dias, meus irmãos estão desempregados e foram catar papelão".

Com uma tremedeira danada, abri o porta-malas e tiramos duas cestas básicas e dois pacotes de arroz, com cinco quilos cada um. Nesse pequeno instante, quase todos os dezessete já estavam ali, junto, presenciando o ocorrido entre crianças e adultos descalços numa felicidade de partir o coração. Pareciam demonstrar a sensação de alívio por ter algo para comer misturado com a felicidade de serem "escolhidos" dentre tantas famílias necessitadas.

Uma das mais inusitadas e emocionantes situações que já me ocorreram durante o meu trabalho como Oficial de Justiça, foi a cena ocorrida. Todos, sem exceção, deram as mãos e rodearam meu carro rezando o pai-nosso, como forma de agradecimento pelo ocorrido. Enquanto rezávamos, eu olhava para cada um deles, imaginando o que estaria pensando naquele momento e o quão importante seria aquele alimento tão próximo do Natal numa condição de sobrevivência tão remota. Saí dali com uma sensação tão boa...

Continuando até chegar na casa do Pastor Assis, encontrei uma menina com um carrinho-de-mão com duas crianças dentro, aparentando dois e três anos, sujinhas, sem roupa. E a menina me perguntou:

- "Moço, tá dando comida, né? Posso levar alguma coisa pra minha mãe?"

Vou fazer o quê? Vou dar, claro. Peguei um saco de arroz (de cinco quilos), ela colocou no carrinho junto com as outras duas crianças e saiu feliz da vida, realizada...

Parei na casa do Pastor Assis, que ficou muito feliz com a ajuda dos meus amigos e conhecidos, colocamos sobre a mesa: as cestas básicas que sobraram, os sacos de arroz e os utensílios de cozinha e, como sempre, juntamente com sua esposa, fez uma oração em agradecimento e abençoando as pessoas que ajudaram bem como para as que receberão aquelas doações.

E assim seguimos pela localidade... ele procurou "filtrar" pelas pessoas mais necessitadas e fomos na casa de uma senhora que mora na famosa "Rua da Vala" onde sua casa pegou fogo no final de semana passado. Tem dois filhos doentes, um acamado e outro na cadeira de rodas. Quando chegamos no local, ela pediu a benção ao pastor e chorando disse:

- "Eu já sabia que vocês viriam, eu pedi muito a Deus que me ajudasse a dar o que comer para meus filhos e eu nunca perdi a esperança". Todo mundo em silêncio, ouvindo, as crianças chorando (eu me segurando) e o pastor abraçado com ela.

Lá, entregamos o jogo de copos de vidro tão esperado pela menina (da publicação anterior) onde usam lata de alumínio (extrato de tomate ou leite condensado) que ficou surpresa ao ver tantos copos juntos (era uma dúzia).

Além disso, tinha um outro jogo de copos - acho que era acrílico - que demos para uma senhora que tem reumatismo nas mãos e como o copo é leve, mesmo que ela deixe cair, não quebra. Ficou feliz da vida, me beijou, me abraçou, colocou carinhosamente - um a um - num suporte de pregos que fez na parede de madeira da cozinha e ficou olhando, como se estivesse admirando algo que ela sempre sonhou, entende?

Tudo isso, parece coisa de novela, exagero, mas [in]felizmente não é. É a pura realidade e mais uma vez, convido todos para que, se quiserem, me acompanhem (apenas por um dia já está de bom tamanho) na comunidade Frei Damião e, certamente, confirmarão que tudo isso - e mais um pouco - acontece sim e muito perto de nós. Quem me dera que tudo isso fosse coisa de novela...

Saindo de lá, fui visitar meu amigo JF na casa de repouso na divisa com Santo Amaro. Levei também uma cesta básica e um pacote de arroz. Tinham visitas, um pessoal que tinha levado doces e foi passar a tarde com os moradores de lá.

Meu amigo JF ficou todo sorridente quando me viu chegar, fiquei apertando a mão dele e dizendo:

"- Vamos lá... vamos ver se a fisioterapia está funcionando..."

E ele apertava e ria.

"É isso aí! Logo, logo vai melhorar mais ainda" - Talvez não, mas não pode fazer com que ele perca as esperanças.

Como todos sabem, seu meio de comunicação é a escrita e com a plaquinha no colo e a caneta em punho escreveu:

"na sexta-feira vou almoçar com minha família e vc poderia ir também"

Expliquei que vou passar o Natal com a família em Criciúma, mas que voltaria na sexta à noite e me comprometeria em vê-lo no sábado pela manhã.

E me respondeu com a frase:

"Então vou esperar, é o meu presente de Natal..."

15/12/2009

Meu primeiro ano, mais um amigo

Hoje, 15 de dezembro, faz um ano que assumi como Oficial de Justiça. E só tenho a agradecer à Deus, à todos que me incentivaram e me apoiaram neste tempo todo e, apesar da correria e muitos acharem que "funcionário público não trabalha", estou adorando a cada dia a minha profissão.

E como um presente pelo meu primeiro aniversário no trabalho novo, ganhei mais um novo amigo, que vou chamá-lo de Ed. Ele é parente do Pastor Assis - aquele que na publicação anterior, contei que foi comigo em algumas ruas para que eu pudesse me familiarizar com o lugar.

Tem quatorze anos, mal sabe ler e escrever, veio do oeste do estado e sempre foi acostumado com a vida no interior, onde trabalhava na lavoura. Mora no local há quase dois anos e conhece todo mundo.

O Pastor Assis me contou da preocupação com o menino, pois, com as férias escolares, ficaria ocioso num local onde não se tem o que fazer onde, segundo ele, a única "ocupação dos desocupados" é relacionada às drogas.

Então, como ele é um senhor conhecido e respeitado no local, eu não tenho um bom conhecimento do lugar e o menino é seu parente, na sexta-feira, sugeri que: sempre que eu fizesse aquele bairro, o Ed poderia me acompanhar, me mostrando os lugares, indicando as ruas e, por consequência, aprendendo um pouco mais.

O menino ficou radiante e disse:
- "Eu acho uma boa idéia, assim eu posso aprender a ler melhor já que eu posso ajudar a encontrar os números da casa..."

Negócio fechado!

E para que ele ficasse envolvido na tarefa e não pensasse em ficar nas ruas sem ter o que fazer, combinamos de que cada mandado que cumprirmos, vale R$ 1,00 e no final do dia, é divido entre nós dois. Esta sugestão de dividir eu não achava necessário, mesmo porque com a quantidade de mandados numa região onde os endereços são mais do que insuficientes, não renderia muito. Mas o Pastor Assis que assim sugeriu porque ele "vai valorizar mais o dinheirinho que ganha".

Cheguei de manhã e lá estava ele, de pé na frente da casa, de prontidão me esperando. Sua mãe me disse que ele ficou a noite toda acordado, ansioso.

E assim fomos: conversando, eu explicando pra ele como é o trabalho, as dificuldades, como devemos abordar as pessoas e, de repente, passamos pela professora dele. Pediu que eu parasse o carro e gritou: "Professora, olha eu aqui, estou trabalhando!" - todo feliz. Ela se aproximou e o elogiou e disse que ele deve ser o exemplo para os outros meninos da escola. Ficou radiante.

Perguntou se podia levar um CD evangélico para ouvirmos e "Deus nos ajudar a encontrar as casas". Topei - claro - mesmo porque toda ajuda é bem-vinda. E até que os céus nos ajudaram, consegui num período de cinco horas com ele, cumprir 10 mandados, R$ 5,00 para cada um. A cada mandado cumprido ele gritava: "Obrigado, Senhor!".

Perto do meio-dia fomos almoçar com grandes amigas minhas advogadas e ele, preocupado, porque nunca tinha almoçado fora de casa. Mas deu tudo certo, elas o deixaram bem à vontade e deram toda a atenção a ele.

Uma delas disse algo do tipo:
- "Quem sabe não vem um dia trabalhar no nosso escritório?"

Depois do almoço no carro ele comentou:
"Viu só? A moça até me convidou para trabalhar com ela um dia... eu vou é estudar bastante!"

Muito bom!

E de tudo isso, tiro uma boa lição: é comum generalizarmos as pessoas que moram em favelas, em lugares violentos, sem condições de vida adequeda, mas são pequenas atitudes - que para muitos podem não valer nada - mas para poucos pode ser o começo de uma boa mudança de vida.

Que Deus abençoe este menino.

11/12/2009

Chuveiro e copo de vidro

Meus dias na nova região são realmente uma prova de fogo. Infelizmente, é mais ruim do que eu imaginava. Não pelo trabalho, mas pelo local. Saneamento básico, zero. Condições de moradia, zero. Segurança, zero.

A maioria das ruas são intransitáveis, não só por serem de terra, sem calçamento ou asfalto, mas por possuírem esgoto à céu aberto, com muito lixo orgânico, entulhos e muitas crianças brincando entre tudo isso, o que é pior. Ainda, na maior felicidade como se ali fosse o melhor lugar do mundo.

Segue uma prévia das imagens menos piores que eu encarei por lá:








E não pense que são somente algumas ruas que são assim na localidade denominada Frei Damião: são todas!

A situação piora quando chove, o lixo e entulho parece que triplica e as condições só pioram. Casas isoladas e sem acesso às ruas são os maiores problemas.



Aprendi e continuo aprendendo em cada dia que vou no Frei Damião, que não é porque o lugar é péssimo de se viver, ruim de acesso, feio de aparência, poluído, que não existem pessoas boas que sonham com um dia melhor, em meio à tantas dificuldades.

E uma dessas pessoas é o Sr. Assis. No primeiro dia em que fui lá, na segunda-feira passada, dia 07 de dezembro, fui no conhecido ponto de referência "Mercado do Ivan" e lá fui apresentado aoo Sr. Assis, também conhecido por Pastor Assis, que mora em frente ao mercado e atua numa igreja com pouquíssimos recursos, caindo aos pedaços, de madeira feita por ele no meio da favela.

Fui apresentado e conversamos bastante e, por força divina, ficamos amigos. Informou que não seria seguro eu andar sozinho por lá, por eu (ainda) ser desconhecido dos moradores, sendo que, como é um local de difícil acesso, a criminalidade lá se esconde porque a força policial nem sempre consegue chegar. Por conta disso, me acompanhou nas ruas e vielas procurando pelas pessoas.

Na ocasião, fomos na chamada "Rua da Vala", que é a primeira foto acima. Ele abençoou alguns moradores que pediram sua benção (é bem respeitado por todos) e enquanto isso, fiquei conversando com duas crianças que brincavam no entulho, entre garrafas plásticas e pedaços de madeira.

O menino, de aproximadamente nove, dez anos me disse:
- "Moço, sabe onde o Papai Noel mora?" - isso que ele tinha aproximadamente dez anos!
- "Não sei, mas sei mandar uma cartinha pra ele..."
E respondeu frustrado: "Mas eu não sei escrever..."
- "Então vamos fazer assim, você me diz o que quer escrever pra ele, eu escrevo e mando."
Ficou todo feliz e disse:
- "Quero pedir que ele traga um chuveiro. Eu vi na televisão. Deve ser bom tomar banho de chuveiro mas talvez eu vou pedir outra coisa, não sei se dá pra colocar lá em casa porque não tem energia..."

A menina foi a pior, ela emendou a conversa dizendo:
- Eu quero um copo de vidro.
- Copo de vidro? - eu perguntei sem entender.
- É, porque na minha casa a gente machuca a boca quando toma água"...

Detalhe: o Pastor Assis conhece a casa dela, não tem nada e tudo o que possuem, é recolhido do lixo e o "copo" que ela se refere, são latas de alumínio (extrato de tomate, leite condensado,...) que catam no lixão.

É triste demais e ainda reclamamos da nossa casa, do sol que bate demais ou de menos, do barulho e buzina dos carros, do vento que faz barulho na janela, da cor da casa que não gostamos, enfim...

Hoje fui lá novamente e a partir de amanhã, começaremos a arrecadar fundos para comprar doces para a criançada (fazer pacotinhos) e ele distribuir pela favela, junto comigo. Quem quiser ajudar, de qualquer forma, agradeço muito - entrem em contato comigo por e-mail ou telefone - e, inclusive, se quiserem me acompanhar até lá quando fizermos a entrega, será muito bem-vindo.

Sei que não podemos mudar o mundo, mas podemos sim fazer nossa parte, por mínima que seja.